
Falei tantas vezes aqui da importância do ambiente para nossa vida, que chega a ser estranho não ter falado antes nos livros, na leitura. Mas subitamente me dou conta de que, sim, ler é uma forma de manter aceso um ambiente mais elevado, mais esclarecido.
Li em algum lugar que todo livro é uma espécie de carta dirigida a um leitor imaginário, ideal. A ideia me agrada porque, realmente, através dos livros um autor pode comunicar o seu ideal mais alto, as fendas profundas de sua história, os extremos da alma humana. Extremos que não costumam andar por aí, acessíveis a todos.
Mas nos livros – nos bons livros, claro – revisitamos esses limites. Reativamos, em nosso encontro com eles, aqueles extremos que nós mesmos experimentamos. Sonhamos um sonho mais alto, mergulhamos em símbolos e sinais que podem ter secado em nosso entorno, mas que nos livros receberam adubo e água em abundância. Sim: os livros podem ser Oásis –
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A clínica é uma forma de nos pôr em contato com os extremos da alma humana. Mas é também, afinal, um trabalho, uma profissão. E não encerra tudo aquilo que podemos sonhar, mesmo que lide com os alicerces do sonho.
Há também os sonhos da cidade, da política; daquilo que nós poderíamos ser, isso que chamamos de civilização, e tão precariamente alcançamos. Há os sonhos sobre o homem em geral, sobre a condição humana, sobre os infinitos impasses que experimentamos, e dos quais saímos com alguma coisa, quando há saúde.
O amor, a construção de uma família, as heranças que deixaremos, a pequena ética do dia-a-dia e seus imensos efeitos para a vida pública – tudo isso são sonhos, são questões, que nem sempre nos chegam por nossos contemporâneos.
É uma alegria então perceber que, nos livros, esses e outros sonhos nos são ofertados generosamente, muitas vezes com belíssimos adornos e bem trabalhados, aprofundados e, por assim dizer, destilados, prontos para o consumo.
Não quero com isso sugerir que os livros nos embriagam. Isso às vezes acontece, mas meu ponto aqui é justamente sua capacidade de nos manter acordados para as questões fundamentais.
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Os coachs costumam dizer que devemos nos aproximar das pessoas que parecem aquilo que nós queremos ser. Concordo, e é exatamente nesse sentido que os livros me parecem insubstituíveis: podemos encontrar ali o melhor que a humanidade já produziu em termos de pensamento.
Nesse sentido, os livros nos resguardam, são uma espécie de “ambiente” que podemos controlar e manter conosco, não importa quão obtuso seja nosso tempo.
Há nisso um risco, é certo: o de que nos apartemos demais daquilo que acontece à nossa volta. Porém, não ler acarreta um risco semelhante: o de ver-se diminuído à estatura do homem médio, silenciando todas as questões que ultrapassem essa medida.
(E, como clínico, sei que todo mundo vive questões mais amplas)
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Nietzsche dizia que “é preciso um caos para dar a luz uma estrela brilhante”. A vida cotidiana me parece caos suficiente. O contato com os bons livros nos lembra que a vida humana é mais do que esse caos: que também somos aparentados às estrelas –