Nesses dias quentes de final de agosto, o calor extemporâneo cedendo lugar ao frio e à chuva, estaciono o carro e aguardo, enquanto minha esposa compra algo num mercado perto.
Cansado, observo duas velhinhas passarem ao lado, uma apoiada na outra, andando devagar, quase se arrastando.
Então rascunhei o poema duro que abaixo transcrevo:
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“Duas velhas caminhando
As peles soltas, encarquilhadas
Cheias de manchas
Secas, até de vida
Duas velhas sem lugar
Falando de um tempo que já foi
Falando num tom que já não é de hoje
Resmungando
Velhas por dentro e por fora
De uma velhice surda, estática, sem glória
Feias, sujas, maltratadas
Simplesmente: velhas
Não pude deixar de pensar que o tempo
Nos maltrata como nenhuma outra ferida
Nos esfola, nos destrói
Nos esgota
Vendo as duas velhas
Que algum dia foram moças, e talvez belas
Pensei: Carpe diem, meu amigo
Que só o tempo é rei
E somos todos tolos, vassalos, em suas masmorras”
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